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Tem de investir 4 vezes mais

30/05/2017

Entrevista com Carlos Campos, economista do IPEA.


Por Agência CNT de Notícias
Carlos Campos - Economista do IPEA
João Viana/IPEA/Divulgação

“O valor investido em infraestrutura de transporte, no Brasil, significa apenas 0,6% do PIB. Precisávamos de, pelo menos, multiplicar isso por quatro. Teria de ser algo em torno de R$ 100 bilhões por ano”

O recurso anual que o Brasil destina hoje para infraestrutura de transporte é pelo menos quatro vezes menor do que o valor que deveria, na avaliação do economista Carlos Campos, pesquisador de infraestrutura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Um estudo que está sendo desenvolvido pelo Ipea (Investimentos na Infraestrutura de Transportes: Avaliação do Período 2002-2013 e Perspectivas para 2014-2016) vai mostrar que a participação da iniciativa privada tem sido muito expressiva nesses investimentos e que precisa ser estimulada. Carlos Campos critica a burocracia e as dificuldades no gerenciamento para que o recurso disponível possa ser de fato investido. Às vésperas da Copa do Mundo, o economista e pesquisador também considera que o país perdeu a oportunidade de oferecer à população e aos visitantes estrangeiros uma melhoria efetiva da mobilidade urbana e das condições dos aeroportos a tempo do Mundial de Futebol. Ele critica ainda o elevado custo dos estádios e avalia que as intervenções de mobilidade serão importantes, mas chegarão com muito atraso.

O Ipea está desenvolvendo um estudo sobre os investimentos em infraestrutura no país nos últimos anos. O que já é possível dizer em relação à participação da iniciativa privada?

A participação dos investimentos privados na infraestrutura de transporte é, ao longo do período analisado (2002 a 2013), bastante expressiva, significando, em média, 46% do total investido. Ou seja, R$ 102 bilhões. Os investimentos privados superaram os públicos nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2013. O governo federal investiu, no período total, R$ 119 bilhões, o que representou 54% do total. Essa observação é relevante pela ideia geral de que os planos de investimento precisam estimular acentuadamente os investimentos privados em transportes. 

Qual a avaliação do senhor sobre os valores destinados atualmente no Brasil para infraestrutura de transporte?

Esses valores ainda são absolutamente insuficientes. Se contabilizarmos os investimentos públicos e os privados em transportes, nos quatro modais, houve um crescimento significativo entre 2003 e 2010. Em 2003, foram R$ 7,8 bilhões públicos e privados na infraestrutura de transporte (incluindo investimentos das concessionárias de ferrovias, de rodovias, recursos do orçamento fiscal, entre outros). Em 2010, foram R$ 26,6 bilhões. Em 2013, cresceu um pouco, atingindo a faixa de R$ 27 bilhões. Mas, apesar do crescimento nesse período, ainda é muito pouco diante das necessidades do país.

Para atender às necessidades do Brasil, hoje, qual deveria ser o valor anual?

Esse valor investido em infraestrutura de transporte significa apenas 0,6% do PIB (considerando investimentos públicos e privados). Precisávamos que o país, pelo menos, multiplicasse isso por quatro. O Brasil teria de investir algo em torno de R$ 100 bilhões por ano em sua infraestrutura de transporte.

O senhor faria alguma comparação com o que ocorre em outro país?

Se considerarmos os países emergentes, como Rússia, Índia, China, Coreia do Sul, Vietnã, Chile, Colômbia, na média, eles estão investindo 3,4% do PIB. No Brasil, estamos em 0,6%. Só esse número mostra quão distante estamos de outros países que hoje concorrem com o Brasil. Crescemos entre 2003 e 2010. Mas estamos muito longe do que seria o ideal. Por isso digo que precisamos multiplicar por quatro para passar para, pelo menos, 2,4% do PIB. Ainda ficaria abaixo da média, mas já seria um volume de recursos que melhoraria nossa infraestrutura.

Essa insuficiência de recursos pode ser um reflexo de décadas sem investir em transporte?

O Brasil ficou praticamente 25 anos, entre 1985 e 2005 ou mais do que isso, fazendo pouco investimento em sua infraestrutura de transporte. Isso acabou degradando nossa infraestrutura. Há um passivo de investimentos para se recuperar e ainda aumentou mais a necessidade. A economia vem crescendo e se tornou a sétima maior do mundo. Em vários produtos do agronegócio, somos os maiores do mundo. Somos os maiores exportadores de minério de ferro. Para o comércio internacional, é fundamental que nossa infraestrutura seja moderna e adequada.

A falta de atenção no passado pode justificar a situação que estamos hoje, de investimentos abaixo da média de outros países emergentes?

Houve um crescimento importante de 2003 a 2010 (nos investimentos). Mas, de 2010 para cá, estamos no mesmo ritmo. E os investimentos públicos até caíram, aumentaram os privados desde 2010. Realmente, não fizeram no passado. Mas não dá mais para jogar a culpa nisso. Ainda estamos muito aquém do que precisa ser feito.

Precisa ampliar os recursos. Mas há também problemas no gerenciamento para que os valores disponíveis possam ser de fato investidos?

Hoje, um grande problema é conseguir aplicar esses recursos. Precisamos ter administração e gestão mais eficientes para que todas as barreiras possam ser vencidas com mais agilidade. Talvez, pela primeira vez na história da economia brasileira, há um volume de recursos, mas eles não estão sendo aplicados. Ao pegarmos os recursos públicos disponibilizados e autorizados no orçamento e também os de empresas estatais (como as companhias Docas e a Infraero), grande parte não está se efetivando. Não estão sendo executados. Existe uma ineficiência, uma incapacidade administrativa e de gestão. 

Quais são as barreiras que precisam ser vencidas?

Os marcos regulatórios mudam frequentemente. Todos os dias, há regras sendo alteradas. Essa mudança frequente traz insegurança jurídica ao investidor. Acaba inibindo o investimento privado, como acontece nos setores ferroviário e portuário e com os terminais arrendados nos portos públicos. As rodovias tiveram relativo sucesso, mas o governo teve que alterar os marcos regulatórios para atender o setor privado. Hoje, há também projetos mal-elaborados. Projetos básico e executivo que são malfeitos. Isso significa que a obra vai ficar mais cara, mais onerosa ao poder público e à sociedade.

Quais outras barreiras o senhor citaria?

As licenças ambientais, muitas vezes, demoram anos para serem emitidas. Há ainda problemas com desapropriações, que geralmente terminam em processos judiciais. E a Justiça é morosa demais. Tudo isso é um processo de pré-obra que se torna complicado. A lei de licitações está ultrapassada e requer uma série de procedimentos e recursos que levam lentidão ao processo. Todos esses fatores fazem com que os recursos fiquem disponibilizados no orçamento, mas não conseguem ser plenamente executados porque há problemas na parte administrativa e de gestão. Quando um governo anuncia um programa de obras, mas a sociedade não consegue ver o resultado desse programa, é um reflexo disso, de não se conseguir ultrapassar as barreiras administrativas e de gestão. Não é fácil vencer tudo isso, mas o Brasil precisa conseguir.

É possível quantificar os prejuízos devido ao aumento do custo logístico das empresas? 

O custo de logística, no Brasil, é muito elevado quando comparamos a outros países. Estaria hoje na faixa de quase 11% do PIB, enquanto nos Estados Unidos seria de 7%. E dentro do custo logístico, o mais importante de todos é o transporte. No Brasil, é em torno de 7% do PIB e nos Estados Unidos, 4%. Isso tudo mostra nossa ineficiência. Temos uma infraestrutura inadequada.

Quem sai perdendo mais?

Todo mundo perde com isso. Uns mais. A economia brasileira perde produtividade e competitividade. Perdem os exportadores porque têm impacto direto. Perdem os importadores porque os produtos importados chegam mais caros aos distribuidores finais. E o consumidor final acaba pagando o preço gerado por essa ineficiência no transporte. Quando falamos que é somente o empresário que perde mais, isso não é bem verdade. Porque ele vai repassar os preços.

Um relatório do Fórum Econômico Mundial, do ano passado, mostrou que o Brasil perdeu posições no ranking internacional de competitividade. Qual a avaliação do senhor sobre o significado desse resultado?

O significado é essa perda de produtividade e de competitividade. Os nossos custos são mais elevados do que o dos nossos competidores. E uma das razões principais é o fato de estarmos investindo apenas 0,6% do PIB em infraestrutura de transporte, enquanto eles investem 3,4%. Os outros países estão ficando com uma infraestrutura mais adequada do que a nossa. E os nossos custos logísticos estão aumentando.

Em relação ao transporte de passageiros, qual a crítica o senhor faria da situação atual do Brasil?

Essa é uma questão que não está tanto para o governo federal. São investimentos mais ligados a governos estaduais e municipais. Com o PAC Mobilidade, com o PAC Metrô, o governo federal tem procurado transferir recursos para Estados e municípios para que eles façam os investimentos. Quem tem de conseguir viabilizar os projetos básicos e executivos são os Estados e os municípios, que têm ainda mais dificuldades do que o governo federal para tocar esses projetos. Por muitos anos, se deu-se prioridade ao transporte individual e se renegou ao segundo plano o transporte coletivo. Então, agora, o Brasil acordou para a importância do transporte coletivo. Mas não é fácil. Ocorrem as mesmas dificuldades em relação aos projetos básico e executivo, por exemplo. São dificuldades que postergam a intervenção.

O país está no caminho certo em relação ao transporte de passageiros?

O diagnóstico para a questão da mobilidade urbana já está bastante avançado, é bem conhecido. A questão é conseguir executar. Acho que o que o Brasil precisa em termos de metrô, VLT e outras medidas nas grandes cidades já está mapeado. O negócio agora é realizar. Muitas vezes, municípios estão desaparelhados, não têm quadro técnico capaz e suficiente para fazer os projetos. Há muitos problemas.

A Copa do Mundo chegou. O Brasil perdeu a oportunidade de desenvolver o transporte ou soube aproveitar bem o fato de o Mundial ser realizado no país?

Acho que perdemos uma boa oportunidade. Não sou dos mais otimistas e costumo dividir as obras da Copa em três grandes blocos: estádios, aeroportos e mobilidade urbana. Em relação aos estádios, evidentemente, todo mundo sabe que ficarão prontos. Mesmo a um custo 40%, 50%, 60% maior do que o previsto. O de Brasília, por exemplo, que deveria ter custado R$ 650 milhões, vai ficar em torno de R$ 1,3 bilhão. Só não haveria Copa se os estádios não ficassem prontos. Mas ficarão com o custo bem mais elevado e com uma participação de recursos públicos bem maior do que o inicialmente previsto. Mas tenho convicção de que de todos os estádios nas 12 cidades-sede, muitos não terão ocupação para manter o custo operacional. Pensa em um estádio para 70 mil lugares em Brasília. Eu moro em Brasília desde o início da cidade e posso até me equivocar. Mas acho que não será ocupado, mesmo falando que terão shows internacionais ou outras formas.

E em relação aos aeroportos?

Esses correm sério risco de não ficarem prontos a tempo. Alguns não ficarão. Penso que os investimentos em aeroportos não deveriam ser feitos pensando em Copa. Mas sim na necessidade do país e da sociedade brasileira. A demanda de passageiros cresceu 150% entre 2003 e 2012. É um número muito expressivo, e os aeroportos não conseguiram acompanhar. Dos 20 maiores aeroportos brasileiros, 16 estão estrangulados. O Ipea fez um estudo, no início de 2011, alertando que essas obras dos aeroportos, no ritmo em que estavam sendo tocadas, não ficariam prontas, que a situação era alarmante. Um dos reflexos foi que o governo fez o processo de concessão mais rapidamente. O setor privado tem trabalhado 24 horas por dia tentando terminar o investimento. Outros investimentos estão a cargo da Infraero. E muitos não ficarão prontos a tempo.

E a mobilidade urbana?

O terceiro bloco é esse, da grande promessa que nos foi dada, de melhoria da mobilidade urbana. Mas, infelizmente, as obras estão atrasadas. O problema ficou tão grave que a Lei da Copa do Mundo autorizou que em dias de jogos nas cidades-sede seja decretado feriado ou ponto facultativo para não se ter problemas com o trânsito. A maioria das obras de mobilidade não ficará pronta em nenhuma cidade. Um dia ficarão, em 2017, 2018, 2019. Espero que um dia fiquem prontas. Mas não serão como foi prometido.

Então, na prática, o Brasil não soube mesmo aproveitar a oportunidade da Copa?

Diante dos prazos que o Brasil tinha, não soubemos aproveitar. Os estádios ficarão prontos relativamente a tempo. Tirando isso, os aeroportos e as obras de mobilidade deixaram a desejar. Serão úteis um dia, mas não para a Copa. A argumentação do governo é que a única exigência da Fifa eram os estádios. Mas isso não é bem verdade. O pacote que foi apresentado à sociedade brasileira, como um pacote da Copa, não foi entregue. Não adianta meias-verdades agora na véspera da Copa. 

Cynthia Castro