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Transporte público precisa ser mais atraente que o carro

06/06/2017

Para isso, é necessário investir mais em infraestrutura e correr atrás do prejuízo de cinco décadas de planejamentos centrados no transporte individual.


Por Agência CNT de Notícias
Sérgio Alberto

​Incentivos econômicos fizeram do carro um bem de consumo que se relaciona ao “status” da pessoa. A venda de veículos a preços e condições facilitadas fez com que, principalmente, os grandes centros sofressem com o aumento acelerado da demanda gerando problemas socioambientais insustentáveis.

 

De acordo com dados da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), o transporte individual consome R$ 174 milhões, o equivalente a 85% de todos os custos de mobilidade urbana e recebe três vezes mais recursos que o transporte coletivo.

 

Para Clarisse Cunha Linke, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), é preciso tornar o transporte público mais atraente que o carro. "O uso demasiado do carro torna o modelo de transporte insustentável e os BRTs (Bus Rapid Transit) são uma das alternativas para inverter a lógica desta preferência", defendeu a especialista durante o Seminário Nacional promovido pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), nos dias 27 e 28 de agosto, em Brasília, cujo tema foi: "Transporte Público Urbano: como atender as demandas sociais?".

 
Confira a entrevista.
 
O BRT é considerado um sistema mais sustentável se comparado com o transporte individual como os carros. É visto que no Brasil temos a cultura do uso do carro muito presente. A senhora acredita que há uma inversão de lógica?
 
Isso não é um acontecimento de hoje. Nas últimas cinco décadas a gente teve um planejamento forte e centrado em uma infraestrutura para o carro. A nossa economia se organiza em torno da indústria automobilística e desde 1920 que governar é abrir estradas. A gente entendeu que um pensamento moderno de cidade, de que a forma mais adequada de desenvolver as cidades e produzir cidades, eram formas que fossem calcadas no carro. Neste sentido, tivemos um grande investimento em infraestrutura que tirou o espaço do pedestre, do transporte público e ofereceu mais oportunidades para os usuários de carro.
 

Junto disso temos políticas de incentivo fiscal e uma série de outros benefícios para a indústria automobilística que fazem com que cada vez as pessoas comprem mais carro. Então, há essa inversão na forma como a gente entende a cidade.  A gente precisa ter cidades que compactas, adensadas, que sejam bem conectadas para o pedestre, o ciclista e o usuário transporte público, e não cidades que não são sustentáveis, que consomem mais energia e emitem mais gases de efeito estufa. Na medida em que temos um novo paradigma de cidade, a gente também tem de avançar nos desestímulos ao uso do carro e para isso temos de ter políticas de estacionamentos mais rigorosas, temos de rever o modo que os novos empreendimentos surgem nas cidades, por exemplo.

 

Hoje os cidadãos já sofrem os efeitos e os impactos do uso elevado do carro como congestionamentos e alto índice de poluição. O que falta para o BRT ganhar força no Brasil?

 

Eu acredito que faltam investimentos em corredores como BRT e outros sistemas de transporte de massa que sejam bem integrados e façam parte de um todo, para que sejam sistemas de fato com qualidade e informação. O que faz com que a gente opte por sair de carro de casa? Porque é conveniente, é confortável, é mais fácil, mais rápido e mais barato. É mais tudo! Então a gente tem de pensar que temos de competir com esses atributos e como o transporte público vai competir com isso? É preciso oferecer informação para o passageiro, a viagem tem de ser confortável, rápida e o passageiro tem de confiar que o ônibus está chegando, da mesma que ele confia que o metrô está chegando e quando não está ele tem a informação sobre isso. É preciso, de fato, identificar como é que eu vou competir com o carro e fazer com que os sistemas de transporte público sejam atraentes e ao mesmo tempo desestimular o uso do carro criando instrumentos econômicos que façam com que o carro não seja a opção mais conveniente e óbvia.

 

A senhora acredita que o Brasil está caminhando para isso?

Está. A gente tem um déficit das cidades de décadas em que se investe em carros e não em transporte público. O número de passageiros do transporte público no país caiu em 25% nos últimos anos. Então a gente tem de correr atrás de um passivo muito grande do ponto de vista econômico, ambiental e social em termos de investimentos em transporte público, investimentos para o pedestre e para o ciclista. Acho que nos últimos anos aconteceu mais do que em cinco décadas devido a vários fatores como os grandes eventos e o crescimento do país. Mas é um desafio que precisa ser lidado mais rapidamente. Não estou dizendo que as cidades estejam bem, porque não estão. Ainda estamos colapsados e com problemas sérios. Todos os atores - setor privado, governos e sociedade civil – precisam se mobilizar para que a gente consiga caminhar, de fato, o mais rápido possível.

 
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos revelou que um dos fatores analisados pelos jovens quando vão mudar de cidade é a qualidade do transporte público. A senhora acredita que no Brasil também haverá essa mudança de cultura?
 
Isso é uma coisa nova que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa. Existe uma mudança acontecendo no mundo de entendimento de como se relacionar com as cidades. Por décadas a proposta americana, que foi comprada por todos, era a do subúrbio. Ter a casa e o carro no subúrbio. Os pais desses jovens compraram essa ideia e esse foi o sonho americano mais difundido no mundo inteiro.
 
Isso tem mudado nos últimos tempos, porque o subúrbio oferece um modelo de cidade onde não tem muita interação. Então, existe uma tendência no mundo que caminha para cidades com a retomada dos centros, adensadas, compactas, com ruas vibrantes e com uma relação com o espaço público completamente diferente de 20, 30 anos atrás. Isso está acontecendo e é um movimento importante. Nos Estados Unidos as pessoas já estão tirando menos carteiras de habilitação, por exemplo. Acredito que a gente também vai chegar lá, mas precisamos correr atrás em termos de infraestrutura.

Thays Puzzi