O Transporte Rodoviário de Cargas na perspectiva da Legislação Ambiental

​Por Walter Cerqueira*

Divulgação/Fetcemg O Transporte Rodoviário de Cargas na perspectiva da Legislação Ambiental

1. Introdução


O presente artigo tem o objetivo de lançar breves luzes sobre as consequências pelo descumprimento da legislação ambiental vigente, com enfoque nas sanções previstas para o transportador rodoviário de cargas.

​Como se sabe, o transporte rodoviário de cargas exige garra e investimentos constantes para vencer os obstáculos impostos pelas condições logísticas do país, especialmente pelas deficiências das vias. Porém,  ainda que sem culpa, responderá o Transportador pelos danos que venha a provocar ao meio ambiente, por ação ou omissão .


2. A Constituição Federal de 1988 e a Tríplice Responsabilidade


Com o advento da Constituição da República de 1988, por força do Art. 225, § 3o, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores às sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar os danos causados. 

Portanto, ao incluir pela primeira vez em texto Constitucional capítulo sobre o meio ambiente, a CR/88 amplia a responsabilidade penal por danos ambientais e consolida o famoso tripé de responsabilidade ambiental no Direito brasileiro. 

Noutro giro mais lento, com o advento da CR/88, uma situação da qual decorra dano ambiental poderá sujeitar as pessoas físicas e jurídicas que concorreram para a prática da conduta danosa a sanções administrativas e penais, além, é claro, da obrigação de reparar o dano, reconstituindo o local afetado para retorná-lo à situação igual ou superior a que se encontrava e indenizando pelos danos não passíveis de recuperação.

Portanto, não importa o ramo de atividade, porte do empreendimento ou a personalidade jurídica do agente infrator, uma vez ocorrido o dano ambiental, serão iniciados os diversos processos para sua reparação e punição.​

Entre as atividades com potencial de gerar danos ao meio ambiente, encontra-se o transporte de cargas, e especialmente dos produtos perigosos elencados na Resolução ANTT n.o 420/04.


2.1 A Responsabilidade Civil: a reparação do dano ambiental.


A responsabilidade civil está relacionada ao princípio geral de que todo aquele que causar dano a outrem deve repará-lo. Portanto, em sede de responsabilidade civil, serão discutidas as medidas a serem adotadas pelo infrator para reparação da vítima pelos danos sofridos, em razão de sua ação ou omissão. Nas palavras de Rui Stoco:

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana (STOCO, 2007, p.114).

Importante salientar que no direito atual, todos os esforços hermenêuticos, legislativos e jurisprudenciais vão ao encontro do ideal de não deixar vítimas de atos ilícitos sem ressarcimento, para restaurar seu equilíbrio moral e patrimonial. 

Portanto, ao longo dos anos, as normas que norteiam a Responsabilidade Civil vem sendo aperfeiçoadas para ampliar os conceitos de dano e vítima, além de facilitar que as vítimas possam obter a reparação dos danos, não sendo mais obrigatório, em diversas situações, provar as intenções do infrator no momento em que causou-lhes o injusto.

Dessa feita, com a retirada do pressuposto de comprovação de intenção do agente infrator (nas modalidades culpa ou dolo) na Responsabilidade Civil, facilitou-se a reparação do dano e institui-se, ao lado da Responsabilidade Civil Subjetiva, uma segunda modalidade conhecida como Responsabilidade Civil Objetiva, a qual foi desde 1981 adotada no Direito Pátrio como a modalidade adequada para reparação dos Danos Ambientais1. 

Assim, em hipótese de acidente rodoviário com veículo transportando combustível (produto perigoso), a obrigação de reparar os danos ambientais independerá da análise de culpa, isto é, as causas do acidente, tais como péssimas condições da via, culpa do motorista do outro veículo e, nem mesmo, mesmo causas naturais não serão relevantes para discussão da obrigação de reparar os danos ambientais.  ​

Independentemente de culpa, as medidas para reparação dos danos ambientais causados serão adotadas, as quais poderão incluir a limpeza da rodovia, a remoção e o tratamento do solo contaminado e a aplicação de barreiras e de produtos para contenção do volume despejado em curso d’água. Tais medidas, é bom repassar, iniciam-se com as primeiras ações de resposta à emergência e podem se prolongar no tempo, conforme a gravidade do dano causado ou a fragilidade do ambiente afetado.


2.2 Responsabilidade Administrativa: infrações e sanções


Ainda que constatada a adequada reparação do dano, serão iniciados os processos para apuração das infrações administrativas. Tomando-se a hipótese anterior como exemplo e pressupondo que a mesma ocorresse em Minas Gerais, seriam apuradas infrações tais como as previstas no Decreto Estadual MG n.o 44.844/06; a saber:

Códigos 106 – Instalar, construir, testar operar ou ampliar atividade efetiva ou potencialmente  poluidora ou degradadora  do meio ambiente sem as licenças de instalação ou de operação, desde que não amparado por termo de ajustamento de conduta com o órgão ou entidade ambiental competente, se constatada a existência de dano ambiental.

Código 113  - Fabricar, transportar, comercializar ou armazenar produtos em desacordo com as normas e padrões ambientais;

Código 122 – Causar poluição ou degradação ambiental de qualquer natureza que resulte ou possa resultar em dano aos recursos hídricos, às espécies vegetais e animais, aos ecossistemas e habitats ou ao patrimônio natural ou cultural, ou que prejudique a saúde, a segurança, e o bem estar da população;

Código  124 – Deixar de comunicar a ocorrência de acidentes com danos ambientais às autoridades ambientais competentes;

Na seara administrativa, os órgãos detentores do Poder de Polícia aplicarão as sanções aplicáveis para cada uma das infrações cometidas, desde que praticadas condutas previstas na legislação em vigor.

Porém, diferentemente do que ocorre na reparação civil, na esfera administrativa é necessário comprovar que o agente infrator praticou os atos com culpa ou dolo, não havendo que se falar em responsabilidade administrativa objetiva.​

Para o espanto de muitos, as sanções administrativas poderão ser muito severas: variam de advertências e multas (que podem chegar ao valor de  R$ 50.000.000,00) até o embargo, interdição  e suspensão das atividades2.  


2.3 Responsabilidade Penal: o crime ambiental


Por iniciativa da Promotoria de Meio Ambiente, serão também ajuizadas as ações penais contra os que praticaram os crimes ambientais, conforme previstos na Lei n.o 9.605/98. Poderão ser processados pelos crimes ambientais, além da pessoa jurídica, na medida de sua culpabilidade o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário da pessoa jurídica.  ​

São condutas tipificadas como crimes, possivelmente aplicáveis à hipótese descrita anteriormente:

Art. 54 – Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Art. 56 – Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou em seus regulamentos. Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Art. 60 – Construir, reformar, ampliar instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, 

estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Como visto nos tipos penais acima colacionados, entre as penas previstas para os infratores, estão as privativas liberdade, sendo contudo necessária a condenação transitada em julgado para sua efetivação.


3. Conclusão


Diante da evidente gravidade das consequências previstas em lei para os infratores da legislação ambiental, resta claro que as transportadoras devem intensificar seus investimentos em equipamentos de proteção ambiental, no aprimoramento de gestão ambiental e nos planos de atendimento a emergências. ​

Ao tratar de assunto tão espinhoso, em breves linhas, esperamos ter desvendado o tema da responsabilidade ambiental nas searas administrativa, civil e penal e ter despertado os diversos atores da cadeia do transporte para os desafios enfrentados pelo setor na busca incessante pelo aperfeiçoamento da gestão ambiental.


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Notas:

1 Lei n. º 6.938, de 31 de agosto de 1981 – art. 14 § 1º

2 A esse respeito, colacione-se o art. 72 da Lei n.o 9.605/98:

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto; 

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X – (VETADO)

XI - restritiva de direitos.​

3 Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – art. 2º 

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Referências Bibliográficas:

BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado 1988.
_______, Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providencias. Senado Federal. Brasília,
_______, Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Senado Federal. Brasília,
_______, Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Senado Federal. Brasília,
LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1999.
MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
_________Da culpa e do risco como fundamentos da responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.​


* Walter Rocha de Cerqueira é advogado, consultor e professor de Direito Ambiental.